sábado, 20 de novembro de 2010

Eu também sonho alto

"Era uma vez " ...
Ela olhou para o espelho novamente, encarando os olhos verdes apreensivos e excitados. Torcia os dedos nervosamente, esperando virem lhe chamar, esperando sua vez de entrar para uma nova vida, totalmente diferente da que já tivera até agora.
O tecido branco envolvia seu corpo de maneira delicada, o pequeno véu caía sobre seus cabelos castanhos suaves, dando ao rosto jovem e angelical uma imagem ainda mais elegante e luminosa. A pulseira que pertenceu à sua mãe estava ali para lembrá-la das suas raízes, tanto quanto para lembrar-lhe do futuro diferente que construiria para si.
Uma batida suave na porta anunciou a mulher que coordenava o evento. Ela lhe deu um sorriso maternal e enérgico, aproximando-se com os olhos brilhantes, ajustando a cauda do vestido longo.
- Oh, querida! Estás linda! – ela exclamou, olhando o reflexo de Júlia no espelho. – Pronta para isso?
Ela sorriu para a senhora bondosa, olhando-a para os seus próprios olhos mais uma vez, antes de mexer os lábios e dizer:
- Nasci pronta para cumprir este sonho.
A senhora deu-lhe o braço, ajudando-a a caminhar pelo corredor estreito que conduzia até à nave central da igreja. Deixou-a parada atrás das grandes portas que a levariam à pura e total felicidade, e escondeu-se, fazendo-lhe sinal de boa sorte e agitando os dedos para a música começar a tocar.
Quando os primeiros acordes se fizeram ouvir, duas ajudantes abriram as portas a Júlia para que ela pudesse entrar. Ela ficou parada alguns segundos, contemplando o lugar enfeitado com alguns arranjos de flores.
Os primeiros passos foram vacilantes, tão nervosa estava por finalmente estar a concretizar um sonho de grande dimensão. Pensou que fosse desmaiar e parou de andar um momento, para fechar os olhos e respirar.
Queria muito que sua mãe estivesse ali, para lhe dar o suporte que precisava para caminhar entre todo aquele corredor sem tropeçar ou cair. Queria que ela lhe desse o seu sorriso confortável, garantindo-lhe que tudo estava bem. Queria ouvi-la falar que se quisesse desistir, ela a levaria sem questionar os motivos.
Queria poder pedir para lhe beliscar o braço, lançando-lhe um olhar reprovador, antes de balançar a cabeça e continuar andando, sorrindo, para o seu futuro homem. Mas a sua antiga e maldita vida não lhe deixara. Estava sozinha, caminhando pelo corredor, passos vacilantes a um futuro incerto e sombreado pelo medo.
Ela abriu os olhos e encarou Pedro. Ele estava parado no altar, mais à frente do padre, olhando-a com pura adoração, como se ela fosse uma deusa grega que tivesse descido do Olimpo só para estar com ele.
O blazer preto servia no corpo dele como uma luva, contrastando com o seu jeito de menino. Lindo. Júlia ficou sem fôlego. Sorriu abertamente. Sorriso espelhado por ele, que ainda a olhava daquela forma... Como se o mundo pudesse acabar naquele momento, em que ele não se importava de morrer, pois morreria feliz por estar preso nos olhos dela.
Aquilo impulsionou-a para a frente, fazendo-a acabar com a pequena distância que os separava. Ele pegou na sua mão gentilmente, murmurando baixinho, para que só ela ouvisse.
- Tu és incrivelmente linda!
O padre fez-se ouvir, atraindo a atenção dos dois, começando a cerimonia. Eles mal ouviam as palavras do velho senhor. Só o que lhes apetecia escutar eram as respirações um tanto altas e ofegantes, por estarem ali, finalmente casando-se.
Os sorrisos iluminavam toda a igreja, e as poucas pessoas que estavam ali - as quais não conheciam nenhuma – sentiam-se contaminadas pelo tamanho do amor daquele jovem casal. Uma atmosfera de imensa alegria e devoção tomava conta da igreja, anunciando ao mundo todo, que aquele casamento seria um dos poucos que resistiriam ao tempo e todas as desgraças que fossem colocadas pelo caminho.
- Eu, Pedro, recebo-te por minha esposa, Júlia, e prometo amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida. Até que a morte nos separe.
- Eu, Júlia, recebo-te por meu esposo, Pedro, e prometo amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida. Até que a morte nos separe.
As alianças foram trocadas, os sorrisos pareceram iluminar-se mais ainda. Júlia tinha os olhos cheios de lágrimas. Ela apertava as mãos de Pedro, como se quisesse certificar de que ele não iria a lugar nenhum. Ele balançou afirmativamente a cabeça, como se adivinhasse os pensamentos que tomavam conta dela.
O padre continuava o sermão, falando sem parar. Júlia e Pedro entraram novamente naquele mundo próprio deles, não se davam conta das coisas ao redor. Só pegaram nas últimas palavras do padre, porque foram as coisas mais importantes que ele lhes tinha dito pela tarde a fora.
- Eu vos declaro marido e mulher – ele sorriu, os olhos brilhando – Pode beijar a noiva.
O coração de Júlia disparou, pulando de felicidade no peito. Estava casada. Com o homem que amava. O sonha tinha se realizado. E ela não podia estar mais feliz. Pedro aproximou-se lentamente, roçando os lábios nos dela, antes de capturá-los ternamente.
Eles separaram-se, joviais, enquanto a organizadora do casamento lhes pedia para se virarem, tirando uma foto do casal. Assim que a cerimonia terminou, eles saíram da igreja em direcção à sua casa recém-comprada.
Pedro pegou-a ao colo, antes de entrar pela porta a fora, carregando-a pelas escadas até ao quarto. A cama estava arrumada, esperando por eles. Pedro depositou Júlia em cima da colcha verde, delicadamente, deitando-se a seu lado, olhando-a por longos segundos.
- Bem-vinda à nossa casa, Sra. Júlia Rodrigues.
- Bem-vindo também, Sr. Pedro Rodrigues. Tu consegues mesmo acreditar que estamos casados? –perguntou ela enquanto acariciava-lhe o rosto.
- Consigo. – ela sorriu, passando os braços ao redor do pescoço dele – Eu sabia que isso ia acontecer no minuto em que coloquei os meus olhos em ti.
Os olhos verdes brilharam, antes de puxar o rosto do marido para perto, para poder beijá-lo sem pudores. Afastaram-se brevemente, encostando as testas, sentindo a respiração viajar por entre eles.
- Eu amo-te. – disse-lhe ele, com aquela voz rouca propositadamente, que lhe fazia arrancar o chão dos pés.
- Eu também.
Ela deu uma gargalhada, escondendo o rosto no ombro dele.
- O que foi? - surpreso e deliciado ao perceber o quão encantadora era a risada dela.
- Esse foi nosso primeiro amo-te como marido e mulher.
Ele riu com ela antes de beijá-la novamente, com toda a paixão que sentia. Os lábios desceram para o pescoço macio, enquanto murmurava, entre um beijo e outro.
- Eu amo-te. Este foi o segundo. –mordiscando-o levemente – Eu amo-te. O terceiro. – Os lábios que provocavam arrepios subiram até ao ouvido, sussurrando-lhe: – Eu amo-te. Eu amo-te. Eu amo-te.
O corpo dela tremeu em resposta. Os olhos encontraram-se mais uma vez, antes de mergulharem a fundo naquela luxúria que tomou conta dos dois. Naquela noite, entregaram-se de corpo e alma a uma nova vida. Para ambos, aquela seria uma experiência totalmente desconhecida. Uma vida de casados, com todas as responsabilidades e deveres que aquilo implicava.
Eles tinham medo do futuro. Do que lhes aguardava. Do que podia acontecer. Mas sabiam que, enquanto estivessem um com outro, tudo estaria bem.